O filho
Olhou a criança e sorriu.
Era ousada, confiante, sem vulnerabilidades.Não admitia qualquer obstrução, desconhecia o sentido, melhor, a existência do medo, mas não de forma inconsciente.Inquiria e ponderava, elaborando um plano para a acção, como se escutando a voz de um conselheiro que lhe indicasse o caminho. A melhor forma de agir.
Aquela criança era, para ele, suave orvalho sobre sequiosa terra, bálsamo de seus dias após a morte da mulher e da filha e com um simples balbuciar conseguia afastar toda a tristeza e dor.
Recordou o dia em que se decidiu pela adopção e se apresentou nos respectivos serviços como exponente aguerrido, determinado e seguro do seu direito, enquanto homem só, viúvo, a adoptar uma criança.
Qualquer criança.
Sem imposição de critérios ou exigências.Lembrou o dia em que foi ao sótão buscar a tapeçaria que Isabel fizera para o quarto da filha.
Nela incorporara todos os seres, mitológicos e virtuais, os de contos, filmes e desenhos da própria e da predilecção de Maria Teresa.
Usara materiais vários que ambas recolhiam nos passeios pelos jardins e praias, desde folhas, vidros coloridos, penas…Tudo o que de belo encontravam e as fascinava…No estilo naiff, a tapeçaria era belíssima e cheia de magia.
Há muito saíra da parede da cabeceira de Maria Teresa e fora arrumada no sótão.
Enquanto olha João brincando, afoito no mar, recorda a manhã em que a foi buscar para redecorar o quarto da sua ou seu futuro filho. Lembra-se de na altura haver pensado que seria um óptimo elemento decorativo porque fora tecida com amor.
Estava impregnada de amor e irradiava-o.
Seria um bom acolhimento para a criança que aí vinha.
Saltando entre a rebentação João chamou-o.
- Pai…anda cá paiiii….
Levantou-se sorrindo e foi ao seu encontro.
João, com a sua voz de criança, mas com uma segurança invulgar para a idade, disse:
- Pára! Pára aí pai!
Parou, curioso.
João veio ter com ele. Andou em círculos, ao seu redor, calado e muito atento. Depois agarrou-lhe as mãos, ordenando-lhe que rodasse num determinado sentido e, súbito disse, com voz de comando:
- Está bom pai. Fica quietinho.
Viu-o baixar-se e, com um seixo que trouxera da rebentação, começar a desenhar o contorno da sombra, um pouco alongada pela luz do sol ao encontrar o obstáculo de matéria que o constituía, deixando no areal uma silhueta distendida.
Sorriu.
Perguntou-lhe:
- João, como queres que coloque os braços?
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