sexta-feira, 20 de abril de 2007

INTERIOR"

Foi este o desafio no PALAVRA PUXA PALAVRA, para a semana que chega ao fim. De tantos interiores possíveis foi o da viagem pelas memórias que se impôs, sem necessidade de avaliação ou segunda reflexão.

Há muitos, muitos anos (não, não é a canção do José Cid) eu, que não sou compradora compulsiva de "trapos" e afins para uso pessoal, dei por mim OBCECADA - mesmo - por uma seda estampada que vira ao passar frente a uma loja.
Não me saía da cabeça e era de tal forma forte a vontade de ter aquele tecido que mentalmente desenhei o que diria à modista para fazer.
Claro que voltei lá de propósito, comprei, desenhei o modelito (que ainda tenho) e a modista fez.
Noutra altura aconteceu-me, ao olhar relógios de pulso numa montra algo similar.
Os olhos agagrraram-se a ele e ele aos olhos.
Era um "cebolão" de homem.
Fui embora e lá ficou na montra.

A compulsão forte e o relógio a tiquetaquear na minha cabeça sem de lá sair....uma coisa obssessiva...
Algum tempo depois, como não passasse, voltei lá e comprei-o e passei a usá-lo.

Ora como nunca fui dada a este tipo de coisas, de compulsões - nem de apetites nas três gravidezes - nunca me acontecera nada parecido, dei por mim a tentar perceber.
E claro k percebi. Senti um click no cérebro, nas memórias, articulando-se com o presente e aí estava a razão de ambos os factos.
O interior das memórias, o interior da infância e as marcas (boas estas felizmente) que nos ficam e moldam em aspectos que nem apercebemos.

O tecido era muito, muito parecido com um vestido em georgette de seda que minha mãe tinha quando eu era pequenina - não só no tamanho mas na idade.
Estava na fase de me esconder no roupeiro dos pais que me procuravam, olhavam-me nos olhos, lá escondidinha atrás das roupas - mas a espreitar - uma mão afastando os vestidos, um olho atento aos movimentos de quem aparecesse, para descobrir se era ou não vista....Um tempo em que existiam fadas e gnomos que brincavam comigo...

Lembro-me de me olharem, olho no olho, e voltarem-se um para o outro a dialogar: "onde será que se meteu, não está aqui....! já vimos ali. E acolá....Olha será que se escondeu......."
E lá saíam a procurar-me algures, depois de incentivarem o jogo com este diálogo cúmplice.
Lembro que era tão pequena que tapava a boca com a mão, acreditando realmente que me não viam nem ouviam rir, abafando embora o riso...
E o relógio que me "obrigou" a comprá-lo foi a mesma coisa.
Era/é uma réplica muito, muito próxima, do relógio de pulso de meu pai.
Sempre o mesmo e sempre certo. Que passou para meu irmao mais velho. O primogénito.

E é destas viagens pelo interior das memórias que por vezes estão e são tão profundas que influenciam atitudes, gosto, estética, opções de vida...,
afinal tudo em nossa vida, sem que disso demos conta, que resolvi fazer uma (das várias possíveis)representação fotografica.

A caixinha de madeira, com as figuras holandesas, é muito mais velha do que eu.
Era de família e foi-me dada por meu pai.
O menino Jesus, e os santos que o rodeiam são peças antigas e parte dessas memórias, muito muito interiores, que são sempre aconchego mesmo quando de tal nos não apercebemos.
Era a caixinha dos tesouros. Não era qualquer coisa que ali guardava...
A outra, com os apetrechos de prata, contém a caneta de aparo - os mais antigos lembram-se delas - que minha mãe me "emprestou" no dia do exame de admissão ao Liceu.
Não quis que fizesse o exame com a vulgar caneta de pau do dia a dia.....
Quis que esse dia ficasse na minha memória como um dia de passagem e, com este gesto, ficou .

Se não fosse este gesto de minha (muito querida) mãe nenhum registo especial haveria sobre esse dia.

Pelo interior de mim.

4 comentários:

bettips disse...

Arrepio de saudade, tal como sentiste a memória. Lindo o teu descrever. E as coisinhas "que falam" murmurando... Bjinho

Teresa David disse...

Como a força da imagem leva a mergulhos em recordações longinquas é o que tão bem aqui descreves.
Bjs
TD

Toze disse...

Gostei deste teu "interior". Por coincidencia também escrevi o meu !!!

Um beijo

Sei que existes disse...

Verdadeiramente interessante!
Beijocas